A TAL SENHORA

Soube depois, muito tempo depois
Era já tarde. Demasiado tarde
E essa dor, mais do que magoar, arde.
Soube que ELA há muito vivia com o meu pai
Com ele partilhava a cama e a mesa
Baralhava-lhe os sentidos e os passos
As palavras, os amores, os sentimentos
Comandava os seus sorrisos e os seus lamentos
Marcava-lhe o tempo e o compasso de dança
E transformou meu doce pai, uma desafinada criança
Tornou-se dona e senhora do seu espaço
Asfixiou-o com a traição de um abraço
E fez dele um ser ausente, amordaçado
Soube depois, muito, muito tempo passado
Que, A TAL SENHORA, com nome masculino
Que, a meu pai; tudo roubou até o tino
Que tantas vezes nos desesperou
Que tanto fez sofrer quem tanto nos amou
Que nos obrigou a desejar a morte
Em troca de tão malfadada sorte
A TAL SENHORA, de nome masculino
Disse-me depois, já muito perto do fim
Que, se calhar, me fará o mesmo, a mim.
Chama-se Alzheimer. Não mata mas é doença
E magoa muito mais do que se pensa.
Anda por aí, impunemente à solta
Destruindo tudo e todos à sua volta
E, a impotência que sentimos, perante tal dor
É, proporcionalmente igual, ao dobro do nosso amor.

Maria de Lourdes dos Anjos
Outubro de 2006

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